Fragmentos da história

 

A produção cultural em Diadema tem vivido os dilemas de uma cidade

periférica, procurando se estabelecer em meio a precariedade e a falta de

recursos, de espaços de apresentação e de público. São manifestações artísticas

que se reconhecem no desafio de conduzir o subúrbio para a realização da

cidadania, em sentido amplo. Em outros termos, as experiências em curso,

esparsas, fragmentadas, resultando de ações ora isoladas, ora de pouco fôlego,

projetam-se no "direito à cidade", incorporando, nas práticas e representações,

a plenitude da vida urbana.

 

Na década de 60, surge a Lira e, acompanhando um calendário nacional ou local, as Festas Cívicas indicam as primeiras experiências de práticas urbanas, ainda que ligadas diretamente ao poder e suas formas de legitimação.

 

Apenas na década de 70, o Teatro Escola, iniciativa do governo municipal,

trouxe algumas conexões entre a cidade e a capital, ao mesmo tempo

que procurou apresentar um repertório de peças consagradas nacional e

internacionalmente. O Teatro Escola constitui-se num dos momentos mais

significativos de ação cultural, atingindo certa repercussão; organizava-se,

naquele momento, uma experiência que se pretendia capaz de projetar a

cidade no cenário da produção artística da metrópole paulistana.

 

Originaram-se da política cultural empreendida na cidade a partir do final dos anos 80 A Cia. de Danças, os Festivais de Rock, o grupo de danças Mulheres de Eldorado e o Movimento Hip Hop.

 

Movimento Hip Hop

 

A cultura de rua, encarnada no movimento Hip Hop, congrega diferentes

manifestações artísticas, como o break, o grafite e o rap, e representa as

experiências das populações jovens que habitam as periferias das grandes

cidades. Nos EUA, desde meados da década de 70, o Hip Hop cresceu e se

consolidou como manifestação cultural da juventude negra e pobre. Pouco

a pouco, estes jovens que conviviam com a violência e a marginalização dos

bairros periféricos, passaram a utilizar o break e o grafite e, depois, o RAP

como formas de expressão.

 

O movimento surgiu na décadade80, com os pioneiros "B-Boys" Nelson

Triunfo e Marcelinho Back Spin, integrados nas manifestações paulistanas

do Hip Hop. No início da década de 90, o Centro Cultural do Canhema tem sido o principal

ponto de encontro entre os membros do movimento. Os debates e oficinas

resultaram na peça "Se Liga Mano", com participação de 67 meninos

e a orientação de Oswaldo Faustino, jornalista e voluntário no trabalho

com crianças de periferia.

 

Em 1999, a montagem da peça "O Preço", escrita por Faustino com a

colaboração de um grupo de 20 integrantes do movimento, era uma referência

ao tema de Fausto, em que um jovem vende a alma ao demônio. A

peça trazia os dilemas dos jovens de periferia, refletindo sobre os compromissos

do rap com a comunidade e sobre o "sucesso fácil" que atinge alguns

rappers (cantores de rap) e outras expressões artísticas, como a música sertaneja

e o pagode. A falta de espaços adequados, levou o grupo a ensaiar

numa pequena sala da ONG Instituto de Oiadema de Estudos Municipais.
A criação da Casa do Hip Hop, no Centro Cultural do Canhema, resultou

da persistência e atividade constante dos integrantes do movimento. A

Casa possibilitou estruturar o trabalho das oficinas (break dance, grafite e

discotecagem) e a incorporação de novas atividades, como as oficinas de

percussão e de aperfeiçoamento em técnica vocal. Há cerca de 850 alunos

inscritos e, aos sábados, mais de 300 pessoas comparecem no Centro Cultural

para participarem do movimento Hip HOpIO.

 

Cia. de Danças de Diadema

 

A Cia. de Danças de Diadema foi criada pela Prefeitura Municipal, por 209

iniciativa de Ivonice Satiell, em fevereiro de 1995, com o objetivo de

formar um corpo estável de bailarinos e de trabalhar a dança com a população

da cidade.

 

Satie começou a se interessar por Diadema, no início da década de 90,

através do trabalho de seu marido Wagner Bossi, Diretor de Planejamento

Urbano nas gestões dos prefeitos José Augusto (1989-1992) e Fillipi Jr.

(1993-96). Ela recebeu, no início de 1993, o convite para assessorar as

atividades ligadas à dança, do Departamento de Cultura.

Ela realizou um levantamento sobre as escolas de dança de Diadema e

organizou uma oficina de três meses para conhecer os profissionais e professores

que atuavam na cidade, identificando seus interesses. O nível técnico

e de consciência corporal desses profissionais estava abaixo das suas expectativas,

no entanto, foi possível formar uma primeira equipe no final de

1993, com as bailarinas Rose M. de Souza e Suzana Gomes - integrantes

atuais da Cia. de Danças.

 

A Cia. constituiu-se baseada em dois aspectos originais em relação as

corpos de baile existentes no país. Em primeiro lugar, os bailarinos são

responsáveis pela produção das coreografias. Conforme afirma Satie, a Cia.

tornou-se "um grupo de profissionais autônomos que cuidam ao mesmo

tempo da produção, cenário, iluminação, figurinos, montagem 13. Em segundo

lugar, os bailarinos também são professores de dança (oficineiros)

nos 10 centros culturais da cidade com oficinas para crianças, jovens e, em

alguns centros, adultos.

 

Além disso, a Cia. forjava-se, segundo sua fundadora, com um projeto

político de democratizar e popularizar a dança contemporânea, hoje,

elitizada. A primeira equipe foi formada por Rose Maria de Souza e Suzana

Gomes, Sandro Borelli, core6grafo e bailarino de Santo André e outros 9

integrantes. A partir de 1995, cada bailarino ficou responsável por um Centro

Cultural, com oficinas semestrais. Além de ministrar as aulas, cada oficineiro
 

 

Grupo de Dança Mulheres de Eldorado

 

O Grupo de Mulheres de Eldorado surgiu a partir de uma oficina do

Centro Cultural Eldorado, coordenadas por Rose Maria de Souza. No entanto,

o grupo conquistou autonomia e destaque no município passando a

funcionar de modo peculiar e superando a experiência das oficinas. A trajetória

deste Grupo evidencia as possibilidades concretas de reconstruir identidades

e laços de solidariedades, através das expressões artísticas.

Rose Maria de Souza trabalha com dança afro há 15 anos, foi educadora

na Secretaria do Bem-estar do Menor, no início dos anos 90, quando passou

a refletir sobre o papel da dança no processo de formação das crianças e

adolescentes. Aos poucos, abandonou as preocupações com coreografias e

resultados bem acabados e ensaiados e passou a integrar às oficinas os movimentos

realizados quotidianamente e não refletidos, como as brincadeiras

infantis. Caminhava, assim, em direção aos princípios da dança contemporânea,

no entanto, situando-os num contexto das suas atividades com

crianças e jovens da periferia.

 

Rose Souza conta como começou o Grupo de Mulheres de Eldorado, a

partir de 1994, com as oficinas para crianças e adolescentes:

"No final de 1994, cinco ou seis mães assistiam as aulas de suas

filhas e ficavam se balançando. Quando foi no ano seguinte eu abri

uma turma para jovens e adultos, achando que viriam essas cinco,

mais outras quatro ou cinco. Vieram 25. Eu sentia que elas queriam

 

Rose Maria introduzia vários ritmos e danças recreativas, além de conversar

com as alunas sobre assuntos contemporâneos, a partir da história de

vida delas, propondo temas e direcionando o trabalho para a situação da

vida no campo e para a realidade do movimento dos Trabalhadores Rurais

Sem Terra, o MST. Neste ínterim, a chacina de Eldorado dos Carajás sensibilizou

as alunas, ainda receosas, e resultou no primeiro trabalho do grupo,

a dança-teatro "Sem Terra'.

 

 

O Teatro Escola e o Teatro Amador nos anos 90

 

Em 1995, teve início uma nova ação da administração municipal com

oficinas para jovens atores, isto é, para pessoas com idade mínima de 16

anos e que já tivessem experiência com teatro, inclusive nas oficinas de

iniciação dos Centros Culturais da cidade. A primeira montagem do grupo,

apresentada em dezembro do mesmo ano, foi "Algumas Estórias", baseada

em contos de Guimarães Rosa e outras histórias de tradição popular,

sob a direção de Angela Barros. Deste trabalho resultou um grupo que se

mantém atualmente com atividades regulares e apresentações na cidade.

Em setembro de 1996, apresentaram uma montagem de textos de Martins

Pena, "Retratalhos", dirigidos por Isa Kopelman e sob a coordenação de

Angela Barros.

São 19 atores que já se apresentaram no interior do Estado, nas cidades

de Penápolis, Ourinhos, e Bragança Paulista. As oficinas são realizadas no

Centro Cultural Canhema, quatro vezes por semana, à noite.

Existem, atualmente, 10 professores de teatro atuando nos Centros Culturais

de Diadema, com formações diversificadas, desde trabalhos com teatro

convencional, teatro de bonecos, teatro de rua e atividades circenses.

São 35 oficinas de teatro, em três estágios diferentes: iniciação (6 meses),

intermediário (8 a 9 meses), avançado (1 ano)30. Assim, procurou-se transpor

a proposta original de oficinas de iniciação às linguagens artísticas, dando

oportunidade aos interessados em aprofundar a prática e os conhecimentos

sobre história do teatro, cenografia, iluminação, sonoplastia, etc.

O objetivo, segundo Alberto Pereira Chagas, é formar multiplicadores

para ampliar as oficinas de teatro. Além disso, a orientação dada propõe a

busca de autonomia dos grupos, pois experiências anteriores, em especial o

Teatro Escola, evidenciaram os problemas da estreita dependência da polí-

tica municipal.

No entanto, em Diadema quase não se investiu em teatro durante toda a

década de 80, quando apenas alguns grupos amadores sobreviviam precariamente,

apresentando-se em suas regiões. Eram grupos sem perspectivas de

profissionalização, mantendo-se com seus recursos, ensaiando em locais

impróprios, em geral emprestados.
A última, ou ainda, a única presença expressiva de atividades teatrais na

cidade ocorreu na década de 70 quando a administração municipal propiciou

a criação de um Curso de Teatro da Municipalidade que ficou conhecido

como Teatro Escola, contrastando com a ausência de uma política

cultural sólida e direcionada.

 

De fato, durante os quatro anos de existência do Teatro Escola foram

montadas as mais variadas peças, mantendo constantemente um trabalho

educativo com os alunos através do estudo das obras, dos autores e da época

de cada peça. Apresentaram textos de dramaturgos consagrados, como "Judas

em Sábado de Aleluia' e "O Caixeiro da Taverna' de Martins Pena, "O

Traído Imaginário" de Moliere e "O Pedido de Casamento" de Anton

Tchecov; textos de autores contemporâneos, como Morte do Imortal"
de Lauro Cezar Muniz, "Zumbi" e "Tiradentes" de G. Guarnierij e ainda

textos criados coletivamente pelos alunos.

 

Um dos integrantes que adquiriu, posteriormente, notoriedade foi o diretor

Ulysses Cruz, hoje reconhecido nos meios culturais paulistanos.

As estreias do Teatro Escola, em 30 de julho de 1973, foram com três

peças de criação coletiva, baseadas no tema "O Amor". O teatro estava

lotado, os espetáculos foram aplaudidos por aproximadamente trezentas

pessoas e o desempenho dos alunos foi "alvo de calorosos e constantes aplausos.

Houve ainda a apresentação da peça "Pluft, o Fantasminha', dirigida

por Ulysses Cruz e estreada por Leda Sylvia Mendes.

Além das apresentações na própria sede e em outros teatros da região, os

grupos do Teatro Escola levavam seus espetáculos para as Sociedades Amigos

de Bairro, as Escolas e outras instituições públicas de Diadema.

Organizados por Leda Sylvia e Ulysses Cruz, Diadema foi palco do I e 11

Festival de Teatro Amador, em 1973 e 1974. Promovido pela Prefeitura, os

festivais contaram com a participação de grupos teatrais do Grande ABC e

segundo Cruz os objetivos dos eventos era "formar um público para o teatro,

dar uma ocupação extra trabalho ao operário e uma saída para o jovem.

Cerca de 50 grupos se inscreveram para o 11 Festival, devido a problemas com

o palco e a censura reduziu para 18 grupos e destes foram selecionados nove.

Neste mesmo artigo, Ulysses Cruz cita em entrevista a construção de

dois teatros pela prefeitura, um ao ar livre, outro de arena, para substituir as

instalações onde se encontrava o Teatro Escola. O teatro arena citado é o

atual Teatro Clara Nunes, no Centro Cultural Diadema, na região central,

 

Alberto Pereira Chagas, um dos alunos do Teatro Escola e, na sua avaliação,

acredita que, apesar da curta duração do Teatro Escola, ele teve importância

fundamental, dado o contexto artístico e a conjuntura política

do período: havia associações e federações teatrais, além de vários grupos

amadores na região, em geral, ligados a atividades políticas, inspirados nas

experiências do Teatro Oficina e do Teatro Arena.

Nos anos 80, as atividades que congregavam os diversos grupos se enfraqueceram,

fragmentando as ações no campo teatral. Alguns atores se tornaram

profissionais, como Ulysses Cruz, outros desistiram de fazer teatro, ou

passaram a trabalhar em trajetórias individuais. Além disso, conforme a

entrevista de Chagas:

"o artista é complicado às vezes, para ele se agrupar é complicado,

pois ficavam discutindo a qualidade de um grupo ou qualidade de

outro, quando a intenção, na época, era tentar se segurar, ter um

trabalho autossustentável.

Ao contexto desfavorável para a ação teatral- dado as dificuldades financeiras

e um campo de trabalho com poucas oportunidades para profissionalização

somou-se políticas culturais voltadas para a difusão de grandes

eventos, contratando artistas e grupos consagrados. O resultado foi o desaparecimento

público dos grupos teatrais.

Texto:

 

* Manifestações Culturais em Diadema de Maurício Cardoso

 

Texto completo em:

 

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Entre o final dos anos 90 até 2005 mais ou menos, tivemos importantes manifestações no campo do teatro em Diadema e uma política de formação de grupos muito intensa. Um dos eventos mais importantes foi a Mostra de Teatro do Centro Cultural do Serraria que era organizada pelos próprios grupos com o apoio dos agentes culturais e até dos comerciantes locais.

 

No ano de 2002 com a coordenação de Angela Barros surgiu o NPT (Núcleo de Pesquisas Temáticas) com aulas de segunda a sábado e cinco professores, dramaturgia (Evill Rebolças), dança (Eloi Rodrigues), leitura dramática (Alberto Chagas), interpretação e montagem (Roberto Pelizzare) e história do teatro (Nilton Souza).

No primeiro ano a temática foi Bertolt Brecht com as montagens de “A ecxeção e a Regra) e “A Ópera de Três Vinténs”, o segundo ano com a témática de William Shakespeare com a montagem de “Ricardo III”, por último vieram os estudos de autores contemporâneos como Nik Silver e Sarah Kane, e finalizada com a montagem de “O Homem Imortal” de Luis Alberto de Abreu.

 

Muitos grupos surgiram das igrejas, das escolas ou das oficinas culturais, catalogamos alguns deles mara manter viva a história:

 

Jovens Atores de Diadema
Grupo Arte Vida
Grupo Catraia
Grupo Rodama
Grupo Pra Fé Entre
Grupo Tapa Minha Boca Faça-me Rir
Cia. R&M Brasil
Grupo Arruaça
Grupo Tufo
Grupo de Pesquisa Plínio Marcos
Grupo Alunissar
Cia. De Pesquisa Teatral ExperimentaAçaõ
Cia. De Teatro Fábrica
Grupo da Garagem ao Palco
Grupo Contando Histórias
Grupo Catulos
Cia. Teatral Pra Que?
Grupo Arteiros de Diadema
Grupo Le Hasard
Grupo Teatro No Ato
Grupo Faces
Grupo Hotroco
Grupo Teatro da Verdade
Núcleo de Pesquisa Temática N.P.T.
Grupo Em Cia.
Cia. de Nós Dois

Grupo Arte e Vida Severina

Grupo Pindorama

Grupo Risos e Bocas

Grupo Talagarca

Cia. Artehumus

 

Trecho do espetáculo "A Dobra" de Esdras Domingos e Renata Moré traduz hoje o que é viver a arte no ABCD.

Estar exposto sempre não é fácil. Não é uma questão de esta exposto todos os dias. É uma questão de estar exposto também quando você está com tontura, pressão baixa e caganeira. Sabe o que o pessoal da Cia. do Nó faz, e agora eles estão me enforcando imageticamente em suas mentes, que eu sei, eles dizem: “ O teatro é um fardo e você tem que carrega-lo. Faça sempre o melhor espetáculo da sua vida. O ofício  do ator é duro mas é compensador”. EU AINDA NÃO ACHEI A RECOMPENSA! E olha que eu procuro. Eu procuro ferejo, rastejo, cavo escavo, mas não acho. Por exemplo, é uma piada falar que a gente ganha mal, porque a gente não ganha nada. O pagamento atrsa seis meses e agente continua trabalhando porque a gente AMA o teatro. Pra ganhar o meu sustento, faço teatro de empresa, animação de festinha, sou obrigado a dar aulas de teatro sem saber nada de pedagogia e agradeço as dez Reais peças dez horas seguidas de trabalho como figurante de comercial de ração para cachorros, recebidos após 15 dias úteis. Nossos governantes não têm a mínima idéia do que é cultura, eles não tem tempo, afinal nós temos eleições a cada dois anos e estão o tmepo inteiro preocupados em se reeleger. Cultura pra eles é artista com nariz de palhaço até em velório de autoridade. Arte produz cultura, mas cultura não é arte, pelo menos aqui. O teatro de Bali é cultura, o teatro japonês é cultura. Mas aqui... Se teatro fosse cultura, um hábito, uma tradição, os atores estariam integrados a sociedade. Mas isso só aconteceu na Grécia e na Idade Média, não tem sentido continuar. Vocês não estão entendendo nada, não é? Estou louco, estou completamente louco. Cultura é o o que você come, você dorme, você veste a língua do seu país. São seus costumes, suas danças, suas religiões. Isso é cultura, é a nossa cor, o nosso sangue, a nossa pele. Evento não é cultura, um showzinho uma vez por mês não é cultura, nem uma oficininha achando que tá agradando gente financeiramente pobre tá longe de ser cultura. Muito longe. Existe uma mentira de que as pessoas gostam de arte. O que elas gostam não é arte, as pessoas gostam de assistir televisão, gostam do cinema americano. Isto sim é um hábito. E isto é incentivado, porque fica mais fácil, as pessoas ficam manipuláveis. A arte  alimenta o espírito e não estou dizendo um jargão. Hoje em dia, as pessoas embebedam o espírito, droguem o espírito com porcarias. E o pior de tudo: elas não sabem disso. Elas não sabem. Vocês são poucos e eu ainda nem sei o motivo pelo qual estão aqui. Montamos nosso próprio teatro como alternativa, pois na cidade não há teatros. Mentira: existem três e somente um funciona. Até o Cine-Teatro Carlos Gomes, patrimônio tombado em uma grande cerimônia com coquetel está às traças. Esse teatro onde vocês estão hoje custa todo dinheiro que entra aqui. Ou eu como, visto e durmo de favor ou eu faço festinhas. Os artistas de Santo André vivem de favores, migalhas e festinhas. E tudo isso é muito significativo. Não estou falando somente do governo, estou falando das pessoas, e estou falando da nossa cultura. E estou relutando em dizer que ela não existe mais. Santo André já teve um teatro arraigado a sua cultura, o teatro aqui era instrumento de manifestação operária. Não mais. Não mais. Tá tudo invertido, tá tudo invertido. Estou falando de profissão, não de hobby. O sapateiro vai desaparecer, o alfaiate vai desaparecer, o ator vai desaparecer. Quantos já não desistiram. Somos uma gente que despreza o teatro e eu sou um dos infelizes que resolveu trabalhar numa profissão sem mercado e, portanto, sem valor. (PAUSA) Eu to entalado com isso, é por isso que eu to com caganeira. Isso me corrói.